Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal
A língua portuguesa é a nova paixão dos Gift, a banda pop nacional que mais tem tentado a internacionalização. Nesse caso, o novo álbum, Fácil de Entender, pode muito bem marcar uma viragem na carreira do grupo.
O ciclo que os Gift começaram no final de 2004 – com a edição do duplo AM/FM – encontra, por estes dias, o seu ponto final. Mais do que uma retrospectiva, Fácil de Entender, o CD e DVD publicado no final de Outubro, é encarado como «um termómetro», na perspectiva de Nuno Gonçalves, teclista, compositor e produtor dos Gift.
«Decidimos dizer às pessoas em que fase estamos, não renegando o passado e tentando desvendar aquilo que está à nossa frente». Fácil de Entender devolve as canções de ontem com o olhar posto no presente – «é o conceito AM-FM mas numa visão dois anos mais velha. É um terminus desse conceito… Mas é um conceito que vai mais além – recriando tudo isso ao vivo».
Por duas noites, em Abril de 2006, os Gift ocuparam os estúdios da Cinemate, em Loures. Imaginou-se um cenário para cada serão, uma imagem que recriasse os espíritos distintos entre a intimidade de AM e o lado efusivo de FM. E porque as canções de 2004 cresceram e mudaram com dois anos de rodagem, são hoje peças diferentes, com novos ambientes e novos arranjos. Fácil de Entender não é o registo de um concerto mas também não é exactamente um álbum novo. No entanto, encontra os Gift a abrir as portas da sua casa – o que, para o quarteto, não constitui nenhum perigo, já que «nesta fase, não temos muitos segredos nem telhados de vidro» – e a encher a sala de estar. «A ideia era passarmos vários meses a ensaiar e, numa noite, gravar um disco inteiro», explica Nuno Gonçalves.
«Ao vivo» significa mais responsabilidade ou maior liberdade?
John Goncalves Ao vivo, gravado, há mais responsabilidade; ao vivo há mais emoção. A ideia ali não era repetir muitas coisas – o meu irmão diz há muito tempo que «mais vale uma nota desafinada mas sentida». Claro que não queremos tocar mal mas não há problema se uma ou outra coisa correr mal – isso são os Gift ao vivo.
Mas a ideia não era gravar um concerto.
Nuno Goncalves - Isto é mais do que um concerto. Se a ideia fosse gravar um concerto, íamos para o Coliseu e fazíamos o tradicional DVD ao vivo. Mas isto é um disco que só tocámos uma vez. Foi um momento único
Como foi o desafio de tornar AM canções que, de origem, eram FM – como «Pure» ou «Music»?
N - Baralhámos os conceitos. Achámos que fazia sentido – até porque posso dançar dentro de minha casa! O AM-FM não é uma coisa rígida, não é um conceito fundamentalista – aliás, o AM começa com um sample retirado de uma pista de dança e com barulho de cidade (de Lost in Translation). Nunca ficámos presos e a ideia de baralhar as coisas passa por aí. Por isso é que terminamos a noite 1 com o «OK! (Do You Want Something Simple?)» numa versão super pura – quando essa foi a canção que nos pôs nas rádios.
A voz surge como fio condutor entre estas noites tão diferentes.
N - A voz era a única coisa em que não íamos mexer. No resto mexemos em tudo – umas vezes mais outras menos. Não há muito ensaio na voz – se a Sónia está mais inspirada a noite corre muito bem, se não está, corre um bocadinho pior. Mas temos a sorte de, entre 95 e 100 por cento das noites, ela estar realmente inspirada. Chega a altura de subir ao palco e consegue sempre surpreender--nos – é sempre uma das coisas com as quais não me preocupo muito.
Mas os Gift são fáceis de entender? É a vossa bússola?
N - É mais do que bússola – é leme! A bússola diria apenas por onde é que as coisas poderiam ir. A Sónia é o leme.
Nada fica ao acaso em Fácil de Entender – mesmo que os Gift achem que já não são tão devotos do culto do pormenor quanto eram, por exemplo, quando conceberam Film, «um disco todo certinho, que ganha por ser o mais perfeccionista dos Gift, mas que peca por não termos captado o momento como no AM-FM», explica Nuno.
«Pela primeira vez na vida dos Gift, conseguimos não ir ao sítio antes de estar tudo pronto. Nunca nos tinha acontecido porque tínhamos sido sempre nós a controlar tudo – e desta vez decidimos não entrar no local da gravação do espectáculo a não ser na véspera… Preocupámo-nos apenas em ensaiar e tratar a nossa parte», recorda John Gonçalves. E a surpresa – que começou no momento em que o «set-design» lhes é apresentado pelo cenógrafo Wayne dos Santos (e revisto no making of incluído no DVD) – estendeu-se pela realização física de tudo o que tinha começado «apenas» como uma ideia. Ambiciosa, mas ainda assim, só uma ideia.
Na primeira noite, disseram tudo o que vos vai na alma? Porque é nessa que mais parecem olhar-se – «Me Myself and I», «My Lovely Mirror» , «The Difference Between Us», o próprio «Fácil de Entender»...
N - Acho que sim. Dissemos o que estava dentro de nós e com alguma perspectiva de futuro – não nos limitámos àquele dia. É um momento muito especial e importante. Até de celebração.
Fácil de Entender passou de canção escondida a título...
N - O «Fácil de Entender» tinha o melhor do AM – o mais puro, íntimo, calmo, nu – e tinha o melhor do FM – porque tinha o melhor refrão que tínhamos construído naqueles meses. Decidimos escondê-la e pô-la antes de todo o disco – mas a nossa ideia sempre foi dar-lhe um caminho maior
J - Acho que neste disco somos mais – porque nos vês. Por exemplo, no Film, era tudo muito bonitinho mas não conseguias perceber se eram quatro músicos ou se eram 50… Aqui é Fácil de Entender que os Gift têm canções muito boas, tranquilas; que temos uma vocalista que, em termos de palco, é muito forte e expressiva; que os Gift são uma banda de estúdio que também sabe ser de palco. Este conceito todo torna-se Fácil de Entender.
Vencidas barreiras em Portugal, as conquistas além-fronteiras tornaram-se o objectivo seguinte dos quatro de Alcobaça. Com a internacionalização como meta, não deixa de ser curioso que este final de percurso seja precisamente encarado com o português como ponto de partida. Não apenas o português de «Fácil de Entender» – mas também o português do Brasil, quer com a interpretação de «Índios» quer com o documentário da passagem do grupo por terras de Vera Cruz. Afinal, o português é, para Nuno Gonçalves (responsável por boa parte das letras), uma nova paixão: «é uma forma de chegar mais perto das pessoas, sem muitas barreiras. Se os nossos discos fossem cantados em português, se calhar, tínhamos muito mais hipóteses de internacionalização do que sendo cantados em inglês. Hoje acho que o português nos torna mais exóticos. Únicos».
A noite AM é uma Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal e a FM uma Saturday Night Fever?
Sonia Tavares – Acho que a segunda noite é mais Meia-Noite no Jardim do Bem e do Mal. Acho que o Saturday Night Fever não corre nas nossas veias.
J - O conceito de Saturday Night Fever… Ainda não chegámos lá.
S - Acho que somos mais inibidos.
Quando decidiram pintar estas canções com novos tons, pensaram em quê? Em pinceladas mais indiscriminadas – como uma tela de Pollock – ou em pormenores impressionistas?
J - Acho que nos Gift é difícil teres Pollock – porque essa liberdade de poderes pincelar à vontade não é provável de acontecer. Claro que quando o Nuno surge no theremin, está nitidamente a pincelar à Pollock – porque não se sabe o que vai sair dali. Temos momentos Pollock mas não fazemos disso o nosso fio condutor. Até seria mau – porque o inesperado passaria a ser rotina e perderia o efeito. Não teria o mesmo impacto.
Ana Ventura - Fotos : Espanta Espíritos
in Blitz.pt - 2006-10-07
3 comentários:
Fantástica entrevista e as fotos estão demais! :) :)
Que boa surpresa!
E os meninos estão todos giraços! ;)
Obrigada por partilhares e parabéns pelo teu blog! ;)
Kiss
Adorei a entrevista! Obrigada por partilhares connosco aqui no teu blog =) Destaco a primeira foto,adorei mesmo! A Sónia está demais. *
agradecia um contacto urgente para ritaacarmo@gmail.com
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