Entrevista a Luís Sanchez - Storytailors
Chiado. Sempre a descer na Calçada do Ferragial, já quase a chegar ao Cais do Sodré, paro e oriento o olhar. Num casarão de três andares, cor de amarelo e rústico, entro. Lá dentro pombas pretas voam em paredes propositadamente inacabadas. É o detalhe e o requinte que marcam o espaço; luzes baixas, um chão negro e vestidos vistosos despertam a marca dos Storytailors. Dois fazedores de histórias de trapos apresentam o seu espaço ao mundo. João Branco e Luís Sanchez trazem raízes edílicas e fantásticas ao novo design de moda. Com dois beijinhos cumprimento Luís Sanchez.
Eliana Silva - Como é que é o vosso dia-a-dia?
Luís Sanchez - O nosso dia-a-dia é sempre contra-relógio. Tentamos que seja uma coisa organizada e todos os dias agendamos o dia seguinte. Nem sempre cumprimos porque surgem sempre imprevistos e temos que aprender a lidar com eles: uma entrevista agendada, problemas nas fábricas, perda de informação, um pormenor que não estão a conseguir concretizar, temos que passar muito tempo ao telefone, mandar imagens por e-mail, etc. É sempre um pouco imprevisível.
ES - Quais são as vossas influências?
LS - Tudo. A música, o cinema – Tim Burton é uma grande referência – os mitos urbanos, a literatura. Como nós pesquisamos muito a evolução do vestuário, procuramos saber também qual é o contexto social, quando compreendermos a história da moda porque não é só uma questão de roupa, é de atitude também. Além disso, a arte popular é uma área que nos interessa muito, mesmo que exista algum preconceito por parte das pessoas. No fundo, essas são as nossas raízes. Depois há várias coisas que nos inquietam e que acabam por ser transportas para as criações: o assédio da informação a que estamos sujeitos constantemente (existe o e-mail, as mensagens de telemóvel, e se nós pensarmos bem, até à 15 anos, existia o telefone, a carta e o cara-a-cara e as pessoas encontravam-se). Os descompromissos que retratamos têm realmente a ver com a maneira como as pessoas lidam com esse excesso: com o trabalho ou com a vida pessoal, nas relações pessoais de cada um.
ES - Precisam de um espaço para criar?
LS - Temos essa necessidade não no sentido de buscar a inspiração mas sim, no sentido de não nos distrairmos. Às vezes sentimos a necessidade de nos retirar mas raramente temos oportunidade de o fazer porque não temos tempo. Com tudo o que está a acontecer à nossa volta – há sempre um excesso de informação e nós temos que lidar com isso. Há a necessidade de nos isolarmos e este espaço aqui é relativamente grande e este andar cá de cima consegue ser relativamente distante daquilo que se passa lá fora.
ES - Como é que é o processo de criar a quatro mãos?
LS - (Risos) Nós temos, antes de tudo, um grande respeito pelas opiniões um do outro. No nosso trabalho não nos sobrepomos mas adicionamos ideias. Quando temos uma que não é praticável em termos comerciais acabamos por abandoná-la. Tentamos ser muito objectivos no que diz respeito à criação.
ES - Onde é que a vossa linha de fantástico acaba por coincidir?
LS - As nossas opções estéticas são muito semelhantes e como as nossas apreciações se aproximam é natural que seja fácil de coincidir.
ES - Há obrigatoriedade de existir uma história em cada criação?
LS - Nem por isso. Nós fazemos sempre muita pesquisa. Normalmente, esse trabalho inicial dá origem a uma espécie de argumento que nós vamos construindo com as coisas que vamos encontrando. E pesquisar torna-se muito interessante porque leva-nos a descobrir muita coisa sobre a nossa cultura, o nosso país. Há pessoas que não assumem de todo essas influências como se a inspiração fosse divina, quando no fundo é resultado de muita pesquisa.
ES - Criam sempre personagens?
LS - Não. Isso não acontece sempre. Há colecções em que nós fazemos isso e outras em que não. Esta última colecção, por exemplo, é uma criação que personaliza o (des)compromisso que se vive actualmente. Numa era da informação, as pessoas querem fazer muita coisa porque acham que ao fazer tudo, só assim os seus projectos se realizam e acabam por ser pouco objectivas quanto àquilo que fazem.
ES - Qual é a diferença entre fazer criação livre e recriar para uma personagem já existente, como a Sónia Tavares, vocalista dos The Gift?
LS - As duas coisas são interessantes e gratificantes. No caso da Sónia é uma situação especifica – é um palco - há uma preferência de cores, acaba por ser um trabalho em equipa entre ela e nós os dois. O nosso trabalho é arrojado e mesmo que as pessoas queiram surpreender e criar a novidade, é estranho e aquilo que causa estranheza cria confusão nas pessoas. A Sónia é uma pessoa muito divertida e gosta de experimentar, mesmo que se sinta ridícula. É uma pessoa muito engraçada em relação a si própria e uma tarde de prova é sempre muito divertida. Há momentos em que se muda tudo e outras em que não se muda nada e os reparos que acabamos por fazer acabam por levar a outras ideias para fatos para ela.
Eliana Silva
in O Amador #98
Ler a entrevista completa aqui.
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